Um dos principais complexos industrial e portuário do país, empreendimento tem disputas por terra e danos ambientais
Obras afetam ostras, caranguejos, camarões e mariscos, dizem biólogos; pescadores relatam perda de renda
FÁBIO GUIBU
ENVIADO ESPECIAL A SUAPE (PE)
"Onde havia árvores com até 10 m de altura, existem hoje bosques de arbustos, com 6 m de altura"
CLEMENTE COELHO JÚNIOR
professor da Universidade de PE
Um dos mais modernos e importantes complexos industrial e portuário do país e há três décadas em operação, Suape (a 40 km de Recife) convive com problemas fundiários e ambientais.
Em 13,5 mil hectares de área, cerca de 25 mil posseiros vivem em clima de tensão.
Há conflitos judiciais sobre posse da terra e indenizações, além de focos de resistência.
Suape promete retirar todos os posseiros nos próximos dez anos. A maioria perderá a terra, que a empresa diz pertencer a ela.
Para especialistas ouvidos pela Folha, a rápida expansão industrial acelerou impactos sociais e ecológicos.
No complexo, existem cem empresas em operação e outras 50 em instalação, que exigem constantes dragagens e novos desmatamentos.
Em 2010, a Assembleia Legislativa aprovou projeto do governo autorizando o corte de 691 hectares de mata, o equivalente a quase três lagoas Rodrigo de Freitas.
Pressionado, um ano depois Suape ampliou, de 48% para 59%, a sua área de preservação ambiental.
O governo de Pernambuco diz que as empresas são obrigadas a recompor as áreas, mas um relatório de 2011 mostrou que, nos dez anos anteriores, só 1 dos 11 empreendimentos havia feito isso.
HISTÓRICO
Criado nos anos 1970, o porto opera desde 1983. O complexo foi erguido em uma área de estuários, entre os rios Massangana, Tatuoca, Ipojuca e Merepe.
Especialista em mangues, o professor da UPE (Universidade de Pernambuco) e doutor em oceanografia biológica, Clemente Coelho Júnior, afirma que a construção das vias de acesso rompeu essa ligação natural entre os rios.
"Onde havia árvores com até 10 m de altura e 30 cm de diâmetro, existem hoje bosques de arbustos, com, no máximo, 6 m de altura e 10 cm de diâmetro."
A redução do fluxo de água, diz Coelho Jr., afetou também a fauna, especialmente ostras e caranguejos.
Ainda durante a construção do porto, parte de uma linha de 8 km de formação rochosa no mar foi dinamitada, nos anos de 1980 e 1990.
Para o professor da UPE Múcio Luiz Banja, especialista em recifes, mais graves são as dragagens periódicas. "O sedimento soterra os animais."
O presidente da colônia de pescadores Z-8, Lailson Evangelista de Souza, 48, calcula que a pesca de lagosta na área do porto caiu 70% nos últimos anos e os mariscos também sumiram.
O superintendente do Ministério da Pesca e Aquicultura em Pernambuco, José Telino Lacerda Neto, diz que não há como negar o impacto de Suape na pesca artesanal da região, mas afirma que a queda na produção não é um problema localizado.
Sobre a colônia de pescadores Z-8, o ministério quer agregar valor ao peixe capturado por eles e melhorar a tecnologia das embarcações para explorar novas espécies, como o atum.
Ex-posseiros vão à Justiça contra cessão de terreno
DO ENVIADO A SUAPE (PE)
Há quatro meses, o agricultor Luis Abílio da Silva, 82, e sua mulher, Maria Luiza, 92, foram retirados de casa por ordem da Justiça e viram o lugar onde moravam ser destruído por um trator e marretas, numa ação de reintegração de posse.
Chovia, e a filha do casal Cleonice, 36, que também morava no local, protegia com uma sombrinha a sua caçula, Letícia, à época com duas semanas de vida.
No mesmo dia, mais quatro casas e uma capela ruíram no terreno de dez hectares do engenho Tiriri, onde 22 integrantes da família Silva e amigos viviam como posseiros havia 50 anos.
"Tiraram nossas coisas, engancharam a corda no trator e puxaram as paredes", afirmou o agricultor.
"Primeiro foi a capela, depois a casa." A família foi indenizada em R$ 48 mil pelas benfeitorias, mas não pelo terreno. Como outros posseiros, devem ir à Justiça.
Segundo a advogada dos Silva, Conceição Lacerda, a terra onde a família vivia foi vendida "de forma irregular" para Suape pela Cooperativa Agrícola do Tiriri.
A cooperativa, disse, recebeu do governo militar títulos de propriedade de sete engenhos para assentar seus filiados, mas os vendeu em 1980.
Uma cláusula proibia a destinação da terra para outros fins, diz a advogada, que pedirá à Justiça a nulidade da cessão dos engenhos à cooperativa.
O presidente de Suape, Frederico Amancio, nega irregularidades e diz que a Justiça autorizou as reintegrações de posse e as indenizações.
Outro lado
Presidente diz que homem, e não indústria, degradou região
DO ENVIADO A SUAPE (PE)
A área destinada às indústrias em Suape está perto de seu limite e, segundo o presidente da empresa, Frederico Amancio, uma grande expansão como a dos últimos anos não acontecerá novamente.
Amancio disse que Suape quitou seu passivo ambiental e negou que as indústrias sejam o principal fator de degradação ecológica. "Foi a ação do próprio homem."
Folha - Um relatório de 2011 mostrou que, em dez anos, só 1 de 11 empresas com acordos de compensação ambiental cumpriu seu compromisso.
Frederico Amâncio* - Suape quitou seu passivo ambiental. Replantamos 240 hectares de Mata Atlântica. Ampliamos a área de preservação, de 48% para 59% do total. Sem medo de errar, Suape é o complexo industrial e o porto mais verdes do mundo.
Qual o impacto ambiental das indústrias em Suape?
As pessoas acham que o principal fator de degradação ambiental em Suape são as indústrias, mas não é verdade. Na realidade, foi a ação do próprio homem, de posseiros, de invasores, do plantio da cana-de-açúcar.
Indústrias não desmataram?
O desmatamento se deu por um processo histórico. Suape é uma composição de mais de 20 engenhos desapropriados.
Os posseiros reclamam que estão sendo expulsos de suas próprias terras.
Temos dentro do complexo 6.800 famílias, 25 mil posseiros. Em dez anos, vamos retirar todos. Alguns são antigos, mas estão em áreas de preservação ecológica. Eles são, sim, fatores de degradação ecológica, porque retiram a vegetação natural.
Os posseiros também reclamam dos valores das indenizações.
Suape não decide valor. Seguimos regras. Eles criaram a expectativa de receber pela área e, por questão legal, pagamos pelas benfeitorias.
Especialistas apontam as dragagens e a construção de um dique no rio Tatuoca como prejudiciais ao ambiente e à pesca em Suape.
Os planos de dragagens são aprovados pelo órgão ambiental. Discutimos projetos para recuperar a pesca artesanal na região, mas não é um problema local. A atividade passa por um processo difícil no Estado.
Suape está no limite?
Não vamos ter mais uma expansão muito grande dos projetos industriais. É uma estratégia que o desenvolvimento comece a ser descentralizado para o litoral norte.
Retirado: NEPE
Por: Carolina Albuquerque