terça-feira, 25 de maio de 2010

O Primeiro Empate de Belo Monte



Por Beto Ricardo/ISA


Em outubro de 1988 viajei a aldeia Gorotire, a convite dos Kayapó, para uma conversa sobre o projeto hidrelétrico que o governo queria implementar na Volta Grande do rio Xingu.

De Redenção (PA) até lá voei num monomotor dos próprios Kayapó, acompanhado pelo cinegrafista Murilo Santos, com uma câmera super-vhs. Nós dois trabalhávamos para um programa de apoio aos povos indígenas do CEDI (Centro Ecumênico de Documentação e Informação), uma associação civil de inspiração democrática criada nos anos 1970. Aos poucos o colegiado de líderes kayapó foi se formando na Casa dos Homens, no centro da aldeia, sob a coordenação de Paiakã. O pequeno avião fazia “pernas” para buscá-los nas várias outras aldeias espalhadas pelo sul do Pará e norte do Mato Grosso.

Ultimato
As perguntas que não queriam calar eram as seguintes: o que é o projeto hidrelétrico da Volta Grande do Xingu? Quais os impactos sobre o rio e os nossos territórios e aldeias, e por que o governo não nos consultou?

Diante da precariedade das informações disponíveis publicamente sobre o projeto e a soberba das autoridades em não atender aos pedidos de explicação por parte dos índios e tratar do assunto somente com a Funai, os Kayapó partiram para um ultimato: escrever uma carta dirigida a autoridades federais solicitando informações e tratativas, mas estipulando um prazo. Caso o governo não respondesse, uma grande manifestação seria realizada em Altamira no início de 1989. Eu datilografei essa carta que foi assinada pelas várias lideranças e, posteriormente, protocolada nos Ministérios afins e na Eletornorte.

Baridjumoko em Altamira
Zero de retorno. O prazo dado pelos Kayapó venceu. Com isso, a decisão de rumar para Altamira passou a ser implementada, como parte do ciclo ritual tradicional que leva à festa do milho (baridjumoko), tão bem manejado pelas lideranças intermediárias, com o apoio dos velhos e o ânimo da rapaziada.

Em dezembro um fato imprevisto viria amplificar enormemente a manifestação Kayapó em Altamira. Às vespéras do natal, o líder seringueiro Chico Mendes foi assassinado no quintal da sua casa em Xapuri, interior do Acre, tão distante, tão perto dali.

Em janeiro de 1989 um grupo de jovens guerreiros kayapó construiu uma aldeia cenográfica numa chácara emprestada pela igreja católica, localizada na periferia de Altamira. Aos poucos foram chegando muitos kayapó, incluindo mulheres e crianças. Para a manifestação os velhos escolheram o ginásio de esportes, no centro da cidade.

Repercussão planetária
Durante vários dias esse evento foi um dos centros das atenções no mundo. Nunca se havia visto tantos jornalistas juntos na cobertura de um evento no Brasil. Voos fretados despencavam diretamente do exterior. Políticos, celebridades nacionais e internacionais, ativistas de várias origens, oportunistas de diferentes calibres.

O Encontro de Altamira – cuja memória ainda está submersa – foi um ponto de convergência entre movimentos sociais e ambientalistas. Tornou-se uma referência para o processo que levou à fundação do ISA (em abril de 1994) e um ícone da perspectiva socioambiental que hoje, mais e mais, se espalha pelo país e mundo afora. A imagem do gesto de advertência de Tuíra, encostando o lado da lâmina do seu terçado no rosto do então diretor da Eletronorte ganhou as primeiras páginas dos jornais e correu o mundo.



Postagem: Érika Alves

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