> *MINHA HISTÓRIA* BENEDICTO FONSECA FILHO, 47
>
> *Meu pai foi agente de portaria, um contínuo (...) O preconceito nunca se
> apresenta claramente. No campo das relações humanas, você nota reação
> positiva ou negativa (...) É preciso que haja ações afirmativas (...) Eu não
> me beneficiei de nenhuma política. Na minha época, isso não havia. *
>
> Filho de um contínuo, Benedicto Fonseca Filho, 47, foi promovido em dezembro
> a embaixador, o primeiro negro de carreira. E o mais jovem. Passou por
> Buenos Aires, Tel Aviv e Nova York. Vai chefiar o departamento de Ciência e
> Tecnologia. Ele declara orgulho de ser negro e filho de pais humildes que o
> educaram para chegar ao topo na casa mais aristocrática do país.
>
> *(...) Depoimento a*
> *JULIANA ROCHA*
> DE BRASÍLIA
>
> Nasci no Rio, em 1963. Mudei para Brasília em 1970 porque meu pai veio ser
> funcionário do Itamaraty. Ele foi agente de portaria, que é um contínuo.
> Quando eu tinha nove anos, toda a família foi para a [antiga]
> Tchecoslováquia [no leste europeu], quando meu pai foi removido para Praga
> por três anos.
> Naquele tempo, todos os funcionários das embaixadas eram de carreira. Hoje,
> esses são terceirizados.
> Foi essa experiência internacional que me despertou o interesse pelo
> Itamaraty. Talvez por ter estudado em escolas internacionais, na escola
> francesa e na americana.
> Meu pai e minha mãe, na sua humildade, nunca pouparam esforços para nos
> proporcionar as melhores condições de estudo.
> Hoje, meu pai tem 84 anos, já é aposentado há 14. Minha maior satisfação foi
> eu ser promovido com ele ainda vivo. Ele ficou tão ou mais contente do que
> eu.
> Fiz o concurso [do Itamaraty] em 1985 e entrei de primeira, aos 22 anos.
> Quando saiu a lista dos aprovados, um jornal de Brasília fez uma matéria que
> dizia: "Mulher e negro passam em primeiro lugar no Rio Branco". A mulher foi
> o primeiro lugar e eu, o segundo.
> Vinte e cinco anos depois, uma mulher passar em primeiro lugar já não causa
> tanto espanto. Naquela época, tinha só uma mulher embaixadora.
> Hoje, são várias mulheres embaixadoras, acho que 20, ocupando postos
> importantes. Talvez chame muito mais atenção quando um negro ascende na
> carreira do que uma mulher.
> Em relação à diversidade racial já avançamos muito, mas ainda temos muito
> que avançar. Houve um olhar para essa questão na gestão do ministro Celso
> Amorim.
>
> *PRECONCEITO*
> O preconceito nunca se apresenta claramente. No campo das relações humanas,
> você nota reação positiva ou negativa das pessoas.
> Mas seria leviano dizer que eu experimentei uma situação que pudesse
> identificar como preconceito [no Itamaraty]. Nunca houve.
> Me lembro de um caso [de reação positiva]. A primeira vez que fui à ONU em
> 2004, um colega do Caribe me chamou no canto para dizer que pela primeira
> vez via um diplomata negro na delegação brasileira.
> Ele enfatizou: "It's the first time ever, ever. We are proud" [É a primeira
> vez. Estamos orgulhosos].
> Eu faço um paralelo com os EUA, que tiveram um sistema de cotas importante
> para criar uma classe média negra que se autossustenta, que agora pode
> seguir em frente sem a necessidade de políticas diferenciadas.
> No Brasil, as cotas das universidades vão produzir uma diversidade salutar.
>
> *COTAS NO ITAMARATY*
> É preciso haver políticas de ação afirmativa. No ministério, damos bolsas
> para proporcionar condições financeiras adequadas para que os
> afrodescendentes se preparem, o que tem tido um resultado muito positivo.
> O objetivo é dar condições para pessoas que têm talento. Algumas vezes é
> visto como se estivessem recebendo um privilégio. Temos o cuidado de
> preservar as condições de preparação.
> Eu não me beneficiei de nenhuma política. Na época, não havia. Mas olhando
> retrospectivamente, creio que me beneficiei de certas circunstâncias.
> Tive oportunidades que raramente os negros têm. Morei no exterior, estudei
> idiomas com a ajuda do Itamaraty, porque ajudavam nos estudos dos filhos dos
> funcionários.
> Os críticos das cotas têm uma contribuição que não é irrelevante. Eles dizem
> que, cientificamente, não há raças, não há diferenças entre brancos e
> negros.
> É uma desmistificação para quem acha que há diferenças intrínsecas. Mas há
> uma falha no argumento. Do ponto de vista humano e das relações sociais,
> existem diferenças.
> Basta ver os índices sociais, condições de saúde e de moradia para ver que
> existe um problema. Isso não é tratado de maneira séria e aprofundada [pelos
> críticos].
> Nosso país tem muitos passivos. A preocupação social e racial tem que andar
> lado a lado. Ou deixamos as coisas acontecerem, ou tentamos uma intervenção.
> O assunto não pode ser jogado para debaixo do tapete.
>
> *ÁFRICA*
> Nos últimos anos, houve uma preocupação de diversificar as relações
> externas, ter um olhar novo não só em relação à África. Resgatar elementos
> de nossa identidade, cultura e sociedade.
> Mas também avançamos na área comercial, levando em conta nosso interesse
> econômico. Tenho orgulho de ser negro. Faz parte da minha identidade. E de
> ser brasileiro. Mais do que isso, tenho orgulho de ser filho dos meus pais.
Fonte: > http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft0601201107.htm
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