terça-feira, 12 de abril de 2011

E quem disse que Chapeuzinho Vermelho não pode ser negra?



A presente tessitura nasce a partir de uma experiência vivenciada num

espaço educativo não-formal com crianças de idade entre 5 e 6 anos. O trabalho teve

como objetivo problematizar o preconceito racial presente nos contos infantis e

provocar uma desconstrução do mesmo a partir das vozes, dos gestos, olhares e

performances das crianças.

A desconstrução do preconceito racial contra o (a) afrodescendente é desafio

que se faz latente em diferentes espaços e tempos.

Para o desenvolvimento do trabalho foi apropriado o conceito de cultura

problematizado por Gueertz (1989) e Thompson (1988). Cultura esta não como algo

fixo, estático, legitimado e neutro; mas como uma rede de significados construídos na

cotidianidade, nas vozes e nos gestos ativos e até mesmo naqueles que parecem

conformados.

A oficina se desenvolvia numa tarde nas dependências da ONG ASELIAS,

ao chegar e explicar sobre a atividade daquela tarde, logo se formou um alvoroço com

as crianças. Era possível ver os olhos brilharem e os sorrisos estampados nos rostos.

Era a atividade que eles mais gostavam, fazer teatro.

Conversamos e decidimos em conjunto que iríamos recontar a história da

chapeuzinho vermelho, em poucos minutos, algumas crianças começaram a contar a

história da chapeuzinho vermelho como aprenderam na escola e em outros espaços.

Mas e agora, quem serão os (as) personagens? O impasse estava feito, logo Mariana gritou! “Eu quero ser a

chapeuzinho vermelho” e Elivelto do outro lado. “Eu quero ser o lobo”! Se aproximando de mim veio Aninha

dizendo alto e fazendo “bicos”: “Eu

quero ser a chapeuzinho vermelho, por que nunca deixam eu ser nada”? Levei para o

debate com as crianças que Aninha gostaria de ser a chapeuzinho vermelho, então

teríamos que decidir coletivamente quem faria esta personagem. Ouvindo as crianças,

um comentário me chamou atenção e mudou todo o planejamento da oficina. Eis a

fala de uma das crianças: “Aninha não pode ser chapeuzinho vermelho porque ela é

negra, não existe chapeuzinho negra, então quem tem que ser chapeuzinho é Mariana

porque é branca”.

Ao ouvirem esta fala de Amanda, as crianças começaram a dizer: “é

verdade, não existe chapeuzinho negra”. Aninha chateada, cruzou os braços com os

olhos cheio de água e franzindo os lábios disse: “Mas mesmo assim eu queria ser a

chapeuzinho vermelho”.

O debate não cessava, então resolvi problematizar um pouco dizendo:

“Mas quem disse que não existe chapeuzinho negra e por que não existe?”

Algumas crianças diziam: “Não sei porque, mas sei que não existe!”, outra

disse: “É porque ela vai ficar muito feia com vermelho!”

Problematizando mais um pouco questionei o comportamento da crianças.

“O que é isto que vocês estão fazendo com Aninha? Como se chama? Está certo ou

errado?”

Logo algumas crianças responderam: “isto é preconceito tio e não está

certo!”. Ao ouvir estas palavras me enchi de alegria e contentamento e logo dei uma

sugestão. “Vamos fazer uma história diferente?”

Passando alguns minutos, o elenco estava formado e tinha Aninha como

chapeuzinho vermelho e Mariana como amiga da Chapeuzinho Vermelho, Elivelton

como lobo e Fabrício como amigo do lobo, dentre outros personagens que entraram

no teatro. Na encenação, Aninha parecia estar num momento mágico, era enorme seu

sorriso e alegria atuando diante dos (as) colegas (as). O teatro ocorreu de maneira

fantástica! Cumprindo com sua função de alegrar, diverti e questionar.

A desconstrução do conto “A chapeuzinho vermelho” e a reconstrução

pelas crianças da ONG ASELIAS remodelou e criou novos padrões estéticos.

Observando a confecção das vestes e o momento da maquiagem feito pelas crianças

era possível ver um diálogo e respeito à alteridade, onde a cor da pele, o cabelo

crespo e/ou liso não possuía grandes significados. Acerca da estética negra, o estudo

desenvolvido por Domingues (1915), junto à população negra de São Paulo no

período de 1915-1930 mostra que a ideologia do branqueamento expressa o modelo

branco como padrão de beleza. Neste sentido, o alisamento do cabelo era motivo de

felicidade do (a) negro (a), uma vez que estaria realizado um sonho inculcado por

diferentes instituições.

Nesta perspectiva, cabe perguntar: Para que concepção de infância e para

quais crianças estão as políticas públicas brasileiras? Sob quais aspectos e culturas

está sendo a educação infantil em nosso país? Há respeito para com as histórias e as

culturas dos diferentes povos que habitam em nosso território?

Retirado do site: http://www.africaeafricanidades.com/literatura.html

Postado por: Carolina Albuquerque

Um comentário:

  1. Jessica Cunha de Medeiros12 de abril de 2011 às 17:31

    Tem um autor que fala muito bem dessa questão de desconstruir alguns emblemas que são colocados nos contos de fadas,o autor é Robert Danrton em seu livro "Grande Massacre de Gatos".Abrangendo vários temas, desde o sinistro folclore do campesinato francês até as sensibilidades românticas que ligavam Rousseau aos seus leitores burgueses de província, o autor transmite modos de pensar e sentir que foram durante muito tempo mal compreendidos. Somando às técnicas e insights do antropólogo a arte narrativa do historiador, Darnton evoca o exótico e o banal na cultura dos franceses do século XVIII.
    Ao trazer a tona “Histórias da Mamãe Ganso”, Darnton utiliza os contos populares da França Setecentista para discutir uma nova forma de abordagem teórica no campo Historiográfico e critica a utilização da Psicanálise no uso destas fontes documentais. Aborde este ponto procurando observar o que o autor chama de “Universo Mental” e por que a psicologia e a psicanálise não são suficientes para uma abordagem histórica das mentalidades.

    (...) os contos com a arte de narrar histórias e com o contexto no qual isso ocorre. Examinam a maneira como o narrador adapta o tema herdado a sua audiência, de modo que a especificidade do tempo e do lugar apareça, através da universalidade do motivo. Não esperam encontrar comentários sociais diretos, ou alegorias metafísicas, porém mais um tom de discurso – ou um estilo cultural – capaz de comunicar um ethos e uma visão de mundo particulares. (DARNTON, 1986, p.29)
    Acredito que poder ser uma boa ponte para quem estiver interessado no assunto.

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