Embora as conquistas do gênero feminino tenham sido comemoradas no Dia Internacional da Mulher, uma classe de trabalhadoras ainda convive com o estigma da discriminação, ausência de direitos sociais e o descaso do poder público: as profissionais do sexo. De acordo com a coordenadora da Associação de Prevenção à Aids (Amazona), Viviane Alves, no mínimo, 450 mulheres garantem o sustento trabalhando como prostitutas na Grande João Pessoa. “Mas trabalham informalmente e não contam com políticas públicas específicas para a classe”, afirmou. Nas ruas, as prostitutas reclamam da falta de segurança e do preconceito.
Entre essas mulheres estão aquelas que são chefes de família, as que proferem palestras de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis e as “não-identificadas”, cujas famílias não têm conhecimento sobre suas atividades. A ONG Amazona, junto com a Associação das Prostitutas Profissionais do Sexo (Apros/PB), luta pela legalização da profissão de maneira que estas mulheres possam usufruir de direitos que qualquer trabalhador possui.
“As autoridades precisam entender que o trabalho de uma prostituta é tão desgastante (ou mais), do que qualquer outro trabalho. E mais: elas enfrentam uma jornada com horários diferenciados, instabilidade financeira e correm riscos diariamente”, esclareceu Viviane.
Segundo ela, o único serviço público específico que existia em João Pessoa à disposição da prostituta era um atendimento médico diferenciado no Posto de Assistência Médica (PAM) da Primavera, no Centro. “O PAM foi desativado e esse serviço foi extinto, lamentou Viviane.
Quanto às mulheres que enfrentam as surpresas diárias no meio-fio das calçadas e nos bordéis, o problema é a insegurança, a exposição às doenças, os horários que invadem a madrugada, o preconceito e a ilegalidade. As amigas Vany e Tânia (nomes fictícios), em um cabaré da Rua da Areia, afirmam: “Quando aparece um carro parecido com algum tipo de fiscalização, o pessoal debanda (se retira)”.
Luciene Dias, profissional do sexo há oito anos, mantém o filho mais velho na faculdade e as duas filhas adolescentes na escola, por meio desta atividade. “Meus filhos compreendem meu trabalho e eu já dei palestra na escola da minha filha sobre prevenção contra doenças sexualmente transmissíveis. Fui apresentada como prostituta e os alunos demonstraram muito interesse pela minha experiência”, conta Luciene, confessando que não quer que seus filhos passem pelo sofrimento que ela viveu.
Nívea, colega de Luciene, relata que a relação com o cliente é comercial e quem a procura sebe disso. “Eu exijo respeito comigo, assim como eu respeito as pessoas. Quando as coisas passam do limite eu não tenho dúvidas: chamo a polícia”, diz Nívea.
Luza Maria Silva, presidente da Apros, afirma que as conquistas dos movimentos feministas ainda são poucas. “A cultura de domínio do homem sobre a mulher permanece e é preciso que sejam criados mecanismos contra isso”, complementa.
Reconhecimento da profissão
Viviane Alves alega que não é possível haver políticas sociais voltadas para uma categoria que nem é reconhecida legalmente. “As prostitutas trabalham na ilegalidade”, declara, afirmando que está sendo elaborado um projeto de lei em nível federal para mudar esse quadro.
A primeira tentativa para legalização partiu do ex-deputado Fernando Gabeira, em 2002. O PL chegou a ser debatido na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, em 2003.
Na apresentação escrita do PL, Gabeira afirmou que: “Este é o primeiro passo para que os legisladores do Brasil conheçam e discutam o projeto, inspirado na longa luta das prostitutas brasileiras pelos seus direitos.”
Mais adiante ele ressalta: “Já houve reiteradas tentativas de tornar legalmente lícita a prostituição. Todas estas iniciativas parlamentares compartilham com a presente a mesma inconformidade com a inaceitável hipocrisia com que se considera a questão.”
Em 2004, tramitou um projeto mais abrangente propondo que as prostitutas tivessem registro profissional, acesso gratuito dos profissionais aos programas e ações de saúde pública e acesso à previdência. Na justificativa, o autor do PL, então deputado Eduardo Valverde (PT-RO), citou como exemplo a Holanda, país onde esta profissão é regularizada.
De acordo com o texto, seriam considerados profissionais da sexualidade: a prostituta e o prostituto, a dançarina e o dançarino que prestam serviço nus, a garçonete e o garçom que trabalham em estabelecimentos cuja atividade secundária é o apelo à sexualidade, a atriz e o ator de filmes pornôs, os acompanhantes que prestam serviços íntimos aos clientes e massagistas de casa que tenham como finalidade o erotismo e o sexo.
Fernando Gabeira justificou seu PL: “Embora tenha sido, e continue sendo, reprimida inclusive com violência e estigmatizada, o fato é que a atividade subsiste porque a própria sociedade que a condena a mantém. Não haveria prostituição se não houvesse quem pagasse por ela.”
(Márcia Dementshuk)